Embarque de boi vivo no Itaqui: oportunidades para o setor?
Por Saulo Gomes
Com a recente mudança do corredor de embarque de boi vivo do Porto de Vila do Conde, no Pará, para o Porto do Itaqui, em razão do naufrágio do navio Haidar com 5 mil cabeças gado a bordo, surgiram algumas questões estratégicas para o desenvolvimento portuário do estado do Maranhão.
Sabe-se que a carga viva que já está sendo embarcada pelo berço 100 do Porto do Itaqui não é tão interessante do ponto de vista da arrecadação tarifária para a Autoridade Portuária. E isso se dá por vários motivos. Primeiro porque o custo logístico para se iniciar o embarque de um novo tipo de carga é mais elevado. Segundo, os tipos de carga atualmente embarcadas pelo mesmo berço possibilitariam uma melhor arrecadação. E, terceiro, porque o recente acidente ocorrido em Vila do Conde fez com que os órgãos intervenientes aumentassem o rigor fiscalizatório, o que, naturalmente, majora o custo logístico da operação. Por outro lado, o Porto do Itaqui é um porto público e, por força do art. 2º, I, da Lei 12.815/13, a chamada Nova Lei dos Portos, este não pode estabelecer critério discriminatório para o tipo de carga a ser embarcada.
O custo operacional para os embarcadores também ficou maior. No Porto de Vila do Conde a tarifa para embarque do boi vivo é cobrada com base na arroba do boi, cada boi exportado pesando em média 18 arrobas ou 270 quilos. No Porto do Itaqui a tarifa está sendo cobrada “por cabeça de animal vivo embarcado pelas instalações portuárias”, cada cabeça custando R$ 11,65, conforme a Tabela III do porto. Some-se a isso, o fato da Companhia Docas do Pará (CDP) pretender tornar permanente a cobrança de R$ 5,00 por tonelada de boi vivo embarcado no porto de Vila do Conde, com vistas à formação de um fundo emergencial a ser utilizado no caso de acidentes como o ocorrido recentemente. Ao que tudo indica, independentemente do embarque ser realizado pelo Porto de Vila do Conde ou pelo Porto do Itaqui, o certo é que o custo logístico dos exportadores paraenses de boi vivo, no curto prazo, aumentará.
O embarque de boi vivo tem como pano de fundo uma disputa comercial entre os frigoríficos (leia-se, Abrafrigo - Associação Brasileira de Frigoríficos) e os exportadores de boi vivo (estes capitenados pela Abeg - Associação Brasileira dos Exportadores de Gado). Os donos dos frigoríficos alegam que os exportadores de boi vivo forçam a alta do preço das reses no mercado, tendo em vista a redução da oferta de gado para abate no mercado local. Já os exportadores de boi em pé alegam que a exportação de animais em nada atrapalha o mercado de boi abatido, dado que a venda de gado vivo representa apenas 1% do volume total do gado brasileiro abatido (Abeg, 2014).
Cada segmento pode ter o seu espaço no mercado, uma carga não inviabilizando a outra. Mas, para que o estado do Maranhão possa ter um ganho efetivo com o escoamento deste novo tipo de carga que, vale dizer, é de baixo valor agregado, é preciso que se trace uma estratégia comercial que utilize o boi vivo como uma oportunidade de negócio para o desenvolvimento de um novo nicho de mercado. Este novo nicho poderia ser uma indústria exportadora de carne bovina industrializada, de carne in natura ou mesmo de carne processada, por intermédio de containers refrigerados, os chamados containers reefers. Vale lembrar que a exportação de carne em containers reefers já é feita pelo Porto de Manaus, pelo Porto de Paranaguá e, em menor escala, pelo próprio Porto de Vila do Conde. Para se ter uma ideia, as exportações de carnes (bovina, suína e de frango) do Porto de Paranaguá geraram, só em 2014, uma receita cambial de quase US$ 1,47 bilhão (Appa, 2014). Além de exportar a carga viva para Venezuela (92%), o Brasil exporta bovinos vivos também para o Líbano (5%), Turquia (1,5%) e Egito (1,5%), estes últimos países que abatem os animais de acordo com suas tradições religiosas. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC, 2013).
Sustenta-se aqui que o embarque de boi vivo pelo Porto do Itaqui deve ser visto como uma oportunidade para o desenvolvimento de um terminal de containers dentro do Porto do Itaqui. Melhor ainda se administrado por uma empresa privada, como o Terminal de Containers de Pecém. E o embarque de carne bovina industrializada emcontainers reefers seria um excelente ponto de partida para tal. Dessa forma, o nosso mercado local ficaria um pouco menos dependente do embarque das nossas conhecidas commodities (minério, soja, alumina, entre outras). Ademais, a carga conteinerizada permitiria o desenvolvimento de empresas de pequeno e médio porte atuando em torno desse nicho de mercado, diferentemente da carga a granel que, em geral, concentra o mercado em grandes players.
Essa, no entanto, será, ao que tudo indica, uma curta janela de oportunidade para o Maranhão. A exportação de boi vivo vinha sendo realizada pelo Porto de Vila do Conde. Contudo, em razão do naufrágio do navio Haidar, esse tipo de operação foi suspensa. E essa suspensão será mantida até que as condições operacionais sejam normalizadas naquele porto e, em especial, até que a Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas) e o IBAMA aprovem o Plano de Contingência para o caso de futuros acidentes. Estima-se que a retirada do navio naufragado do porto de Vila do Conde possa durar quatro meses. Essa será uma curta janela de oportunidade para o Maranhão, que, se bem aproveitada, pode gerar frutos para o desenvolvimento de uma nova cadeia produtiva local.
* Saulo Gomes. Advogado. Mestre em Direito Marítimo pela University of Montreal, CA. Presidente da Comissão de Direito Marítimo e Portuário da OAB/MA. Presidente do Instituto Navigare. Coordenador da Pós-Graduação em Logística Portuária e Direito Marítimo do Instituto Navigare/Fac. Sta. Fé. Membro do Instituto Ibero-Americano de Direito Marítimo.